Recentemente o Conselho Federal de Medicina atualizou as regras para aperfeiçoar o atendimento médico às pessoas com incongruência de gênero. Na reportagem, entenda o que muda e o papel da SBEM e dos endocrinologistas no processo.
Incongruência de Gênero
A Resolução CFM nº 2.265/2019, do CFM, prevê a ampliação do acesso ao atendimento a essa população, estabelecendo critérios para uma maior segurança na realização de procedimentos com hormonioterapia e cirurgias de adequação sexual.
A endocrinologista Dra. Elaine Frade, representante da SBEM Nacional junto ao CFM, acredita que foi um grande avanço no tratamento. Ela destaca três grandes mudanças nessa Resolução. “A primeira delas foi a inclusão de todos os procedimentos e respectivos protocolos de acompanhamento, tanto psicológico quanto hormonal e cirúrgico. É a primeira Resolução que sai do CFM completa. A segunda é a normatização do tratamento em crianças e adolescentes, onde o Conselho aprova o acompanhamento. E o terceiro é o processo terapêutico singular”, listou a médica.
Ela explica que o processo terapêutico ficou mais individualizado. Entre as maiores mudanças, a Dra. Elaine comenta sobre o acompanhamento psicológico, que deixou de ser de, no mínimo, de dois anos e passa a ser determinado pela equipe de saúde, que acompanha o caso. “Existe uma base do tratamento no período de seis meses, mas em relação à indicação de cirurgia, por exemplo, ficará a critérios das equipes de saúde mental que estão acompanhando o paciente.”
A Dra. Karen de Marca, endocrinologista da equipe médica do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro – um dos hospitais de referência no país – lembra que quanto mais cedo fora feita a intervenção, melhor o efeito final. “Os estudos mostram que os adolescentes que se apresentam trans na puberdade, dificilmente voltarão atrás na decisão. Pensando na melhor segurança, e evitando condutas por conta própria, a opção de iniciar mais cedo é a mais acertada”.
Informações à Imprensa
Para apresentar as etapas dessas mudanças foi convocada uma coletiva de imprensa, em Brasília, onde o núcleo de profissionais envolvidos no processo conversou com os jornalistas. A Dra. Elaine, que representou a SBEM, participou desde o início dos debates até a finalização do documento. “A reunião foi muito boa, com a presença da grande maioria dos grandes veículos de comunicação, que tiveram uma abordagem bastante cuidadosa com o assunto”. A endocrinologista reforça que houve uma preocupação em detalhar diversas questões com muito cuidado para não surgissem interpretações erradas em relação à Resolução.
Representantes de sociedades como a da Psicologia e na área de Assistência Social participaram do encontro com os jornalistas.
Todas as sugestões dadas pela SBEM foram apresentadas pela Dra. Elaine, que participou do convencimento aos conselheiros em relação ao bloqueio hormonal dos adolescentes. Ela relata que no início havia uma grande resistência, mas a Dra. Elaine apresentou diversos artigos científicos, mostrando a experiência na condução destes pacientes.
Foram dois anos de análises e discussões até a finalização do documento, onde aspectos éticos, legais, baseados em estudos clínicos. Depois disso, o texto foi aprovado em plenária do CFM.
Os protocolos, como explicou a Dra. Karen, estão mais próximos aos adotados, por exemplo, pela Endocrine Society. “No IEDE, além de conseguir atender a um maior número de pacientes podemos ser mais resolutivos”.
Ainda serão necessários alguns trâmites para que a nova Resolução seja adotada como rotina nos hospitais.
Definições
– Incongruência de gênero – quando o indivíduo não se reconhece com o sexo identificado ao nascer.
– Homens transexuais/transgênero são aqueles nascidos no sexo feminino, mas que se identificam como sexo masculino.
– Mulher transexual/transgênero é aquela nascida no sexo masculino, mas se identifica como do sexo feminino.
– Travesti é a pessoa que se identifica e se apresenta com o gênero oposto, porém aceita sua genitália.
– Afirmação de gênero é o procedimento terapêutico multidisciplinar que, por meio de hormonioterapia e/ou cirurgias, permite à pessoa adequar seu corpo à sua identidade de gênero.
– Em situações onde o paciente tiver menos de 18 anos, será exigida a presença do pediatra na equipe.
– Atendimento médico deve contar com anamnese, exame físico e psíquico completos, assim como com a identificação do paciente pelo seu nome social e de registro, incluindo sua identidade de gênero e sexo ao nascer.
– Hormonioterapia – o tratamento hormonal cruzado só poderá ser iniciado a partir dos 16 anos. Cada pessoa será avaliada pela equipe multiprofissional envolvida no atendimento. Deverá ser prescrita por médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico. O acompanhamento de crianças e adolescentes só será feito sob protocolo de pesquisas em Centros de Referência dotados de comitê de ética em pesquisa.