Plano alimentar: o papel do nutricionista

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Plano alimentar: o papel do nutricionista

por site em 12 de março de 2010


Princípios da Atenção Nutricional ao Paciente Obeso

A atenção nutricional ou atenção dietética inclui:

  1. Avaliação do estado nutricional, para determinação do diagnóstico nutricional e das necessidades nutricionais;
  2. Desenvolvimento do plano de ação nutricional;
  3. Implementação da dietoterapia, determinada pelo cálculo da dieta e conteúdo de macro e micro nutrientes;
  4. Educação nutricional, envolvendo conceitos básicos de saúde e alimentação;
  5. Avaliação da eficiência da intervenção. Estas ações são traçadas para dar suporte profissional em todos os aspectos relacionados ao cuidado nutricional.

Na prática clínica, o nutricionista deverá demonstrar interesse em todos os aspectos relacionados a alimentação do paciente. Deverá saber desvendar os fatores ambientais e antecendentes genéticos que representam a tendência à obesidade. Sem omitir a responsabilidade do paciente no tratamento, é preciso estabelecer relação de cumplicidade e parceria, visando atingir os objetivos propostos.

Cabem ao nutricionista e paciente papéis distintos, definidos, porém inter-relacionados.

A eficiência da intervenção depende do entendimento dos diversos aspectos determinantes da obesidade e da complexidade do tratamento, principalmente no que se refere à adesão.

Avaliação Nutricional

A avaliação do estado nutricional é fundamental para a identificação daqueles pacientes sob risco nutricional. Inicialmente, deve-se buscar na história clínica as informações a cerca do diagnóstico e intercorrências clínicas, que podem afetar o estado nutricional do paciente ou serem consequências dele. Em seguida, buscam-se evidências objetivas deste estado nutricional (antropometria, avaliação clínica e dados bioquímicos), além das intervenções terapêuticas com interações nutricionais e, finalmente, a descrição do padrão alimentar ou o tipo de dieta que o paciente está ingerindo no momento da avaliação.

Outros aspectos relacionados que deverão ser verificados incluem:

  • Capacidade física para ingestão de alimentos;
  • História dietética anterior ou modificações realizadas;
  • Mudanças ponderais recentes;
  • Intolerâncias alimentares;
  • Possível interação droga-nutriente;
  • Presença de transtornos alimentares
  • Outras alterações, como dispepsia, constipação intestinal, etc.

 História dietética
  recordatório de consumo alimentar de 24 horas
alergias, preferências e intolerâncias alimentares
freqüência de consumo alimentar
relação com a história patológica
padrão habitual de consumo alimentar
história ponderal
 Medidas antropométricas
  Índice de Massa Corporal (IMC)
pregas cutâneas
razão cintura/ quadril (RCQ)
peso atual e usual
 Avaliação bioquímica
  eletrólitos
indicadores do estado de hidratação
indicadores de anemia e de outros micronutrientes (quando possível)
 Exame físico nutricional
  cabelo
tegumento
unhas
olhos
cavidade oral (lábios, língua, gengiva)
reserva muscular e adiposa global

Adaptado de: Marian, M., Thomson, C., Esser, M et al. Surgery Nutrition Handbook. Chapman & Hall, New York. 1996; p.2

Sendo a avaliação do estado nutricional a base para se definir a melhor conduta dietética a ser adotada, os componentes essenciais da avaliação podem ser agrupados em: história dietética, medidas antropométricas, avaliação bioquímica e exame físico nutricional. Estes quatro componentes (Tabela 3), permitirão o desenvolvimento de um plano terapêutico nutricional efetivo, apropriado e individualizado. Os dados que compõem a avaliação deverão ser monitorados e reavaliados regularmente para permitir o acompanhamento detalhado e particularizado das necessidades nutricionais dos pacientes.

Desenvolvimento do Plano de Ação Nutricional

Para o planejamento da intervenção nutricional é preciso definir os objetivos do tratamento. É comum encontrarmos objetivos discrepantes entre o profissional e o paciente, o qual deseja recuperar, por exemplo, suas medidas antropométricas de um passado remoto, considerando uma estética rigorosa, como seu modelo de bem estar. Este fato pode ser definitivamente causa de baixa adesão. Em outras palavras, o paciente abandona o tratamento na medida em que não consegue atingir seu próprio objetivo, em geral, extremamente ambicioso.

O objetivo racional da intervenção dietética é reduzir a gordura corporal para uma condição que seja acompanhada de melhora no estado de saúde ou consistente com a redução dos riscos de complicações.

As metas individuais deverão ser baseadas em indicadores fisiologicamente importantes, como glicose plasmática, lípides e pressão arterial. Tais parâmetros são mais indicados que tabelas arbitrárias de peso, ou taxa/ porcentagem de perda ponderal.

O planejamento se baseia também no estabelecimento de hábitos e práticas relacionados à escolha dos alimentos, comportamentos alimentares e adequação do gasto energético (atividade física) que deverão ser incorporados à longo prazo, para manutenção da perda de peso.

É preciso considerar nesta etapa a realidade do paciente, ou seja, sua atividade ocupacional, suas rotinas, horários, disponibilidade financeira, hábitos regionais, entre outros, visando, mais uma vez, a individualização da intervenção, sem a qual, dificilmente se alcança bom nível de adesão ao tratamento.

Implementação da Dietoterapia

O tratamento da obesidade pode ter ainda resultados frustrantes por outras razões, entre elas, pela utilização de estratégias equivocadas, pelo mau uso dos recursos terapêuticos disponíveis e pelo baixo nível de acompanhamento, evolução e adaptação da dieta estabelecida.

Exemplo de estratégias de resultados não comprovados são as dietas desequilibradas de baixas calorias, apresentando modificações dos teores de macro-nutrientes muito marcantes, que também podem causar alterações do estado de micro-nutrientes. Elas enfatizam um grupo de nutrientes em particular (carboidrato, proteína ou gordura) e proíbe ou desencoraja a ingestão de outros. Estas dietas podem ser facilmente seguidas pelos indivíduos, em função de sua natureza concentrada (focada), tornando-as bastante populares. A adesão, contudo, é limitada pelo tempo em que se pode manter a curiosidade do paciente. A discrepância dos hábitos e costumes do indivíduo e a terapia proposta, determinam seu abandono, independente dos resultados iniciais. Ademais, os apelos ou seus argumentos técnicos muitas vezes não encontram respaldo nas definições e estratégias aceitas pela comunidade científica mais conceituada.

Segundo o Consenso Latino Americano de Obesidade , os avanços da medicina moderna devem ser baseados em pesquisas científicas, utilizando princípios bem estabelecidos de experimentação. Esses princípios incluem ensaios clínicos controlados e realizados por diferentes grupos de pesquisadores para determinar eficácia e segurança de novos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.

São características comuns de terapias alternativas não comprovadas cientificamente, mas que adquirem popularidade:

• Tendem a ser desenvolvidas e promovidas à margem de recursos, aparelhagem e associações científicas;
• Seus investigadores e proponentes geralmente não possuem credenciais clínicas e/ou científicas fortes;
• A razão fundamental e a base lógica dessas terapias freqüentemente contêm aplicações errôneas e/ou interpretações pessoais equivocadas de dados da literatura científica;
• Os investigadores e proponentes freqüentemente provêm afirmações exageradas e irreais dessas modalidades;
• Essas terapias freqüentemente têm o potencial de serem financeiramente proveitosas para aqueles que as desenvolveram, promoveram ou apoiaram;
• Essas terapias são geralmente propagadas e comunicadas fora de canais de comunicação científica e clínica e os detalhes das terapias são geralmente secretos;
• Seus proponentes com frequência desencorajam e/ou recusam consulta e/ou revisão dos seus métodos por médicos ou cientistas de reputação;
• Seus investigadores e organizadores por vezes afirmam que existe uma “conspiração” médica ou científica contra eles.

Por outro lado, este mesmo Consenso define a dietoterapia, com suas estratégias. Acredita-se que a racionalidade das propostas apresentadas, somada à individualização do tratamento, aumenta a possibilidade de êxito (adesão/ resultados), a partir de sua implementação e acompanhamento sistemático.

Dietoterapia:

Definição: consiste no manejo terapêutico dos alimentos.
Objetivo: produzir balanço negativo de energia para reduzir o peso e melhorar a composição corporal.

1) Plano de restrição calórica moderada:

– Conteúdo Energético: Calcular o valor energético desejado segundo a situação clínica. Aconselha-se reduzir progressivamente a ingestão entre 500 kcal e 1000 kcal por dia com relação ao valor obtido, segundo a anamnese alimentar (não inferior a 1200 kcal/dia).

Conteúdo ideal de nutrientes:
– Carboidratos: 55% – 60% (com aproximadamente 20 % de absorção simples)
– Proteínas: 15%-20% (não menos de 0.8 g/ Kg de peso desejável)
– Gorduras: 20%-25%, com 7% de gorduras saturadas, 10% de gorduras poliinsaturadas e 13% de gorduras monoinsaturadas
– Fibras: entre 20 e 30g por dia
– Álcool: não é aconselhável sua recomendação
– Colesterol: não mais que 300mg/dia
– Vitaminas e Minerais: são atingidos os requerimentos totais nos planos de 1200 kcal ou maiores
– Cloreto de Na: adequada a situação biológica individual
– Líquidos: 1500cc para cada 1000kcal
– Distribuição: sugerem-se 6 refeições por dia

2) Outros Planos Alimentares:

a) de baixo valor calórico:
Denomina-se assim o que provém entre 800-1200 kcal ou entre 10 a 19 kcal por kg de peso desejável. Está indicado se após um período razoável com um plano moderado não se conseguiu diminuir de peso.

b) de muito baixo valor calórico:
Denomina-se assim o que provém menos de 800 kcal diárias ou menos de 10 kcal por kg de peso desejável/dia. Está indicado para obesidades graves e recorrentes, descompensação diabética e outros estados que necessitam rápida perda de peso. Deve aplicar-se por períodos curtos (3-4 semanas).
Não se recomendam dietas de menos de 400 kcal/dia, nem o jejum total (menos de 200 kcal/dia).

c) dietas não aconselhadas: as que não têm fundamento cientifico nutricional, como as dietas da moda.

Educação nutricional

A cultura de um povo pode determinar a adoção de um padrão alimentar particular, incluindo suas crenças e tabus . Uma vez instalado o padrão alimentar, talvez seja impossível modificá-lo, individualmente, principalmente para pessoas adultas. A inclusão de matéria relacionada à alimentação e nutrição nos currículos escolares pode contribuir para estabelecimento de hábitos alimentares saudáveis, em um âmbito social.

 

1. Coma diversos tipos de alimentos em, pelo menos, três refeições diárias: café da manhã, almoço e jantar
2. Use alimentos locais, tais como arroz, feijão, farinhas, pão e leite, como base de suas refeições
3. Coma sempre frutas e verduras da época
4. Use carnes, sal e açúcar, em quantidades moderadas
5. Utilize óleo vegetal no preparo da comida e diminua o consumo de gorduras animais
6. Tome, diariamente, bastante água
7. Prepare sempre a alimentação com bastante higiene
8. Mantenha o seu peso, controlando a ingestão de alimentos e fazendo exercício físico
9. Faça das refeições um encontro agradável
10. Coma melhor e gaste menos

As dificuldades encontradas para o cumprimento da dieta vão sendo relatadas e a falta de resultados pode apontar para o fim do tratamento. Caso seja possível manter o contato com o paciente, novos estímulos poderão surgir, dando continuidade à intervenção. Entretanto, há que se considerar, não raras vezes o tratamento é abandonado, caracterizando mais uma experiência frustrante para o paciente e o profissional.

Algumas dificuldades práticas para elaboração ou cumprimento da dieta podem representar as causas para o fracasso da intervenção (Tabela 5), podendo ser relacionadas com o profissional, paciente e até com o alimento (informação) . Entender este contexto é o primeiro passo para tentar diminuir a baixa adesão ou para não colocá-la, em termos simplistas, como a falta de força de vontade do paciente.

Tabela 5. Dificuldades práticas para a prescrição da dieta

Por parte do médico
• Desconhecimento da composição dos alimentos
• Desconhecimento dos efeitos dos alimentos
• Dificuldade para transmitir o conceito ao paciente

Por parte do paciente
• Limitações educacionais (ignorância, analfabetismo)
• Limitações psicológicas
• Limitações sensoriais (dificuldades visuais, etc.)
• Costumes e crenças populares

Por parte do alimento
• Etiquetas de difícil acesso.
• Informação inadequada, mal expressa, confusa, enganosa.
• Propaganda maciça baseada unicamente em interesses econômicos.