Uso Crônico de Corticoide e Covid-19 e Posicionamento da SBEM

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Uso Crônico de Corticoide e Covid-19 e Posicionamento da SBEM

por site em 22 de abril de 2020


O Departamento de Adrenal e Hipertensão e o Departamento de Neuroendocrinologia da SBEM elaboraram o documento em relação o uso crônico de corticoide neste período de pandemia do Covid-19. Os Departamentos são presididos pelo Dr. Madison Almeida e Dr, Heraldo Mendes Garmes, respectivamente.

No texto, os endocrinologistas detalham o uso do cortisol e tratamento de determinadas doenças, com recomendações importantes para os especialistas sobre doses administradas ao pacientes.  

O texto está em versão em PDF neste link e na íntegra, a seguir.  No arquivo em PDF estão incluídas todas as referências.

Posicionamento da SBEM: Uso crônico de corticoide e COVID-19

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), através do seu Departamento de Adrenal e Hipertensão e do Departamento de Neuroendocrinologia, vem se posicionar em relação ao uso crônico de corticoide nessa fase de pandemia pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).

O cortisol é um hormônio esteroide produzido pela glândula adrenal, que está envolvido na resposta fisiológica a situações de estresse (estresse físico, como doenças infecciosas, ou estresse emocional). Corticoide é um termo mais amplo que engloba o cortisol e outras formas sintéticas, que atuam no mesmo receptor do cortisol.

Em doses suprafisiológicas (ou seja, acima das concentrações produzidas pelas adrenais normais), os corticoides exercem ação anti-inflamatória e imunossupressora. Dessa forma, os corticoides podem ser usados em dois cenários:

1) Tratamento de pacientes com insuficiência adrenal primária (doença de Addison) ou secundária (como, hipopituitarismo ou hipofisite), que são consideradas formas de reposição fisiológica, ou seja, doses de corticoides próximas da produção diária de cortisol pelas adrenais;

2) Tratamento de doenças autoimunes ou associadas a resposta inflamatória exacerbada, nas quais as doses dos corticoides são suprafisiológicas, estando associadas com efeitos colaterais cardiometabólicos (Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e obesidade, dentre outros) e imunossupressão.

Insuficiência Adrenal

Os pacientes com Insuficiência Adrenal Primária (Doença de Addison) e Secundária (hipopituitarismo) utilizam doses fisiológicas de reposição: hidrocortisona 20-30 mg (10-20 mg ao acordar e 10 mg a tarde) ou prednisona 5 a 7,5 mg/dia (ou prednisolona 5 a 7 mg/dia). No hipopituitarismo, a dose do corticoide pode ser mais baixa (prednisona 2,5-5 mg/dia ou hidrocortisona 15-20 mg/dia). Além da reposição de corticoide, os pacientes com doença de Addison normalmente necessitam também de mineralocorticoide (fludrocortisona 0,1 mg/dia).

Como as adrenais desses pacientes não aumentam a síntese de cortisol frente a diferentes formas de estresse, é fundamental que a dose do corticoide oral seja dobrada na vigência de doenças infecciosas ou outros tipos de estresse. Dessa forma, recomendamos que pacientes em tratamento para insuficiência adrenal dobrem a dose de reposição oral do corticoide logo no início da apresentação de sintomas gripais, febre e/ou outros sintomas sugestivos da Covid-19. Além disso, é fundamental que todos os pacientes com insuficiência adrenal portem cartões de identificação constando o diagnóstico da insuficiência adrenal e orientação para reposição de volume e hidrocortisona 100 mg endovenosa em situações de urgência e emergência.

Casos os pacientes com insuficiência adrenal apresentem piora clínica com dispneia e hipotensão, eles devem procurar imediatamente atendimento em Pronto-Socorro e apresentar o seu cartão de identificação. A conduta sugerida é administrar imediatamente hidrocortisona 100 mg endovenosa e manter 50 mg endovenosa a cada 6 a 8 horas até estabilização do quadro clínico. Após estabilização e retorno a dieta oral, a reposição oral de corticoide pode ser reiniciada em dose dobrada, associada a fludrocortisona nos pacientes com Doença de Addison. Após melhora clínica, o tratamento com corticoide deve retornar as doses fisiológicas habituais de reposição. O tempo para isso ocorrer deve ser individualizado, sendo fundamental o envolvimento do médico no ajuste da terapêutica.

Tratamento com doses suprafisiológicas de corticoide

Quando utilizado como terapia anti-inflamatória e imunossupressora, as doses dos corticoides são no mínimo 4 a 5 vezes mais elevadas do que as doses de reposição fisiológicas. Nessa situação, o risco de complicações na vigência da Covid-19 é potencialmente maior. Pacientes em uso de prednisona 20 mg por mais de 2 semanas ou prednisona 5 mg por mais de 30 dias não podem suspender o tratamento com corticoide de forma abrupta, em virtude do risco de insuficiência adrenal secundária por supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Nessa situação, o paciente deve entrar em contato com o seu médico para avaliar a possibilidade e a forma adequada de redução da dose do corticoide.

Caso o paciente em uso crônico de corticoide (prednisona 20 mg por mais de 2 semanas ou prednisona 5 mg por mais de 30 dias, ou outro corticoide em dose equivalente) apresente sintomas de gravidade da Covid-19, a terapia com corticoide não pode ser suspensa de forma abrupta, em virtude do risco já mencionado de insuficiência adrenal secundária. Na impossibilidade de continuar o tratamento com corticoide por via oral em virtude da piora clínica, o paciente deve receber hidrocortisona 100 mg endovenosa e 50 mg endovenosa a cada 6 a 8 horas. Finalmente, como os corticoides são utilizados muitas vezes sem prescrição médica e de forma indiscriminada, deve-se evitar o uso de corticoide sem orientação médica. Enfatizamos ainda que todos os pacientes em uso crônico de corticoide devem seguir as recomendações de isolamento social feitas pelo Ministério da Saúde, como estratégia principal para evitar infecção pelo novo coronavírus.

Madson Q. Almeida
Presidente do Departamento de Adrenal e Hipertensão

Heraldo Mendes Garmes
Presidente do Departamento de Neuroendocrinologia

Rodrigo O Moreira
Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)